segunda-feira, 2 de novembro de 2009

We are all connected, pt. 3

Veja (DESTA semana - Edição 2137 / 4 de novembro de 2009):



"O ano de 2012 tornou-se o centro de gravidade do fim do mundo por uma confluência de achados proféticos. Primeiro, surgiu a tese de que a Terra será destruída com a volta do planeta Nibiru em 2012. Depois, veio à tona que o calendário dos maias, uma das esplêndidas civilizações da América Central pré-colombiana, acaba em 21 dezembro de 2012, sugerindo que se os maias, tão entendidos em astronomia, encerraram as contas dos dias e das noites nessa data é porque depois dela não haverá mais o que contar. Posteriormente, apareceram os eternos intérpretes de Nostradamus e, em seguida, vieram os especialistas em mirabolâncias geológicas e astronômicas com um vasto cardápio de catástrofes: reversão do campo magnético da Terra, mudança no eixo de rotação do planeta, devastadora tempestade solar e derradeiro alinhamento planetário em que a Terra ficará no centro da Via Láctea – tudo em 2012 ou em 21 de dezembro de 2012.

"No inventário dos fracassos humanos, talvez não haja aposta tão malsucedida quanto a de marcar data para o fim do mundo. Falhou 100% das vezes, mas continua a se espalhar, resistindo ao tempo, à razão e à ciência. As tentativas de explicar esse fenômeno são uma viagem fascinante pela alma, pela psique, pelo cérebro humano. Uma das explicações está no fato de que o nosso cérebro é uma máquina programada para extrair sentido do mundo. Assim, somos levados a atribuir ordem e significado às coisas, mesmo onde tudo é casual e fortuito. As constelações no céu, por exemplo, são uma criação mental para organizar o caos estelar. Ao enxergarmos as constelações de Órion ou Andrômeda, encontramos ordem e sentido. O dado complicador é que a vida, no céu e na terra, deve muito mais às contingências do acaso do que ao determinismo. O espermatozoide que fecundou o óvulo que gerou Albert Einstein foi um produto do acaso, resultado de uma disputa entre espermatozoides resolvida por milésimos de segundo. Assim como aconteceu, poderia não ter acontecido.

"Recuando no tempo, a própria humanidade, analisada do ponto de vista científico, é fruto do acaso. Por um acidente, um peixe pré-histórico desenvolveu barbatanas que, à imitação de pernas ou patas, lhe permitiram enfrentar a gravidade da Terra e, assim, por acaso, viabilizou o desenvolvimento de vertebrados fora da água. Bilhões de anos depois, cá estamos nós, bípedes, inteligentes, comendo sorvete de morango, descobrindo a estrela mais antiga e nos deliciando com Elizabeth Taylor deslumbrante como Cleópatra. Tudo por acaso. A preponderância do aleatório sobre o determinado pode dar a sensação de desesperança, de que somos impotentes diante de todas as coisas. Talvez nisso residam a beleza e a complexidade da vida, mas o fato é que o cérebro está mais interessado em ordem do que em belezas complexas. Por isso, quando não vê significado nas coisas naturais, ele salta para o sobrenatural. 'Nascemos com o cérebro desenhado para encontrar sentido no mundo', diz o psicólogo Bruce Hood, da Universidade de Bristol, na Inglaterra, autor de 'Supersense: Why We Believe in the Unbelievable' (Supersentido: Por que Acreditamos no Inacreditável). 'Esse desenho às vezes nos leva a acreditar em coisas que vão além de qualquer explicação natural.'



"O achado de Hood foi descobrir que as crenças talvez não sejam fruto nem da religião nem da cultura, mas uma expressão de como o cérebro humano trabalha. É o que ele chama de 'supersentido'. É o supersentido que nos leva a bater na madeira, dar valor afetivo a um objeto ou conversar com Deus. A religião seria uma criação mental através da qual o cérebro atende a sua necessidade por sentido. O apocalipse, nesse caso, é uma saída brilhantemente engenhosa. Explica duas questões que atormentam a humanidade desde sempre: o significado da vida e a inevitabilidade da morte. Somos a única espécie com consciência da própria morte e, no entanto, não sabemos o significado da vida. Afinal, por que estamos aqui? A pergunta, em si, revela nossa busca por sentido, devido à nossa dificuldade de conviver com a possibilidade de que, talvez, não estejamos aqui por alguma razão especial. O apocalipse é uma resposta. Está descrito nos seus mínimos e horripilantes detalhes no Livro do Apocalipse, escrito pelo evangelista João, por volta do ano 90 da era cristã, quando estava preso, perseguido pelo Império Romano.

"O começo do fim do mundo, diz João, será anunciado por sinais tenebrosos: um céu negro, uma lua cor de sangue, estrelas desabando sobre a Terra e uma sucessão de desastres varrendo o planeta na forma de terremotos, inundações, incêndios, epidemias. O Anticristo então dominará a Terra por sete anos, ao fim dos quais Jesus Cristo descerá dos céus com um exército de santos e mártires – e vencerá Satã, a besta. Depois de 1 000 anos acorrentado, Satã conseguirá se libertar e forçará Jesus Cristo a travar uma segunda batalha, a terrível batalha do Armagedom. Derrotado Satã, todos nós, vivos e mortos, nos sentaremos no banco dos réus do tribunal divino. Os bons irão para o paraíso celestial. Os maus arderão no fogo eterno. É uma narrativa tão magicamente escatológica que Thomas Jefferson, o terceiro presidente dos Estados Unidos, a chamou de 'delírio de um maníaco'. Bernard Shaw, o grande teatrólogo irlandês, disse que era o 'inventário das visões de um drogado'. Delírio ou visões, o Livro do Apocalipse explica tudo. O professor Ralph Piedmont, do Loyola College, em Maryland, especialista em psicologia da religião, afirma: 'O Apocalipse de João explica a morte, ao informar que vamos ressuscitar, e dá sentido à vida, ao dizer que é uma provação'.

"Subsidiariamente, o apocalipse atende a outra necessidade humana, a de acreditar num mundo regido por uma ordem moral. Os historiadores atribuem o surgimento da visão apocalíptica ao persa Zoroastro, ou Zaratustra, que viveu uns 1 000, talvez 1 500 anos antes de Cristo. Ele foi o primeiro a falar de uma batalha cósmica entre o bem e o mal, mais tarde aproveitada pelos profetas Ezequiel, Daniel e, principalmente, João. 'Num mundo em que, com frequência, os bons sofrem e os maus prosperam, a promessa de um julgamento moral é um consolo profundo', diz Michael Barkun, professor de ciência política da Universidade de Syracuse, que estuda a relação entre violência e religião. Eis por que o fim do mundo aterroriza mas também pode nos consolar. Nem sempre o apocalipse vem numa embalagem religiosa. A profecia de 2012 começou com base em eventos astronômicos e calendários antigos. Só depois recebeu a adesão de seitas espiritualistas e cristãs, mas originalmente 2012 é, digamos, um fim do mundo pagão. Se não é um fim com prêmio aos bons e punição aos maus, então por que acreditamos em profecias que nunca dão certo?



"A explicação começou a surgir nos anos 50, quando o brilhante psicólogo americano Leon Festinger (1919-1989) resolveu testar uma hipótese revolucionária: a de que, diante de uma profecia fracassada, os fiéis não desistem de sua crença, mas, ao contrário, se aferram ainda mais a ela. Festinger e seus colegas se infiltraram numa seita do fim do mundo e descobriram exatamente o que imaginavam. O grupo era formado por quinze pessoas e liderado por uma dona de casa de Michigan, Marion Keech, que fora informada por extraterrestres de que o mundo acabaria com uma inundação no dia 21 de dezembro – olha a data aí de novo – de 1954. Antes da catástrofe final, Marion e seguidores seriam resgatados pela nave-mãe e levados para um lugar seguro. Na data e hora marcadas, eles se reuniram para esperar o resgate, e não apareceu nave nenhuma. Passou uma hora, e nada. Duas horas, e nada. Eles estavam tensos e preocupados, alguns começando a dar sinais de descrença naquilo tudo, até que, quase cinco horas depois, Marion foi novamente contactada pelos extraterrestres com uma novidade redentora: o grupo ali reunido, com o poder de sua crença, espalhara tanta luz que Deus cancelara a destruição do mundo. Os membros reagiram com entusiasmo. Haviam encontrado um meio de acreditar que a profecia, afinal, estava correta.

"O caso foi contado no livro 'When Prophecy Fails' (Quando a Profecia Falha) e se tornou um dos fundamentos do que veio a se chamar teoria da dissonância cognitiva. É a inclinação que temos para reduzir o profundo desconforto provocado por duas informações conflitantes – no caso, a crença de que o mundo vai acabar e a evidência incontornável de que o mundo não acabou. Há exemplos mais rotineiros, como o sujeito que sabe que o cigarro pode matar e, no entanto, fuma dois maços por dia. Tem-se uma 'dissonância cognitiva', que precisa ser resolvida: ou o sujeito para de fumar ou racionaliza que o cigarro, no fundo, acalma, emagrece, seja o que for. Meio século depois, a tese de Festinger será ainda válida para explicar a crença inabalável em profecias finalistas? 'É, ainda, a melhor explicação psicológica', diz Daniel Gilbert, da Universidade Harvard, autor de um trabalho pioneiro sobre como enxergamos o futuro – com lupa, diz ele, sempre dando a sucessos ou fracassos importância muito maior do que efetivamente terão quando (e se) acontecerem.

"As profecias do apocalipse são um desastre como previsão do futuro, mas excelentes como alegorias do presente. A coleção de afrescos e pinturas clássicas que retratam o Juízo Final, como a obra-prima de Michelangelo na Capela Sistina, reflete o temor do tribunal divino e o domínio da Igreja Católica de então. Depois da II Guerra, os filmes de Hollywood, grandes difusores da catástrofe final, passaram a enfocar o fim do mundo como resultado de uma guerra nuclear ou de um monstro deformado pela radioatividade. Estavam narrando as aflições dos americanos com a bomba de Hiroshima e Nagasaki e a chegada da corrida armamentista com a União Soviética. É o momento em que o apocalipse começa a ter duas fontes – a religião e a ciência. Nos anos 60, com as profundas transformações varrendo os EUA, da Guerra do Vietnã à revolução sexual, do advento do computador ao movimento dos direitos civis, dos Beatles a Woodstock, o apocalipse mudou de lugar. 'O livro da revelação deixou o gueto cristão e entrou no coração da política americana e da cultura popular', escreve Jonathan Kirsch em 'A History of the End of the World' (Uma História do Fim do Mundo), um ótimo inventário do apocalipse."

Um comentário:

  1. muito bom esse post. é incrível como os discursos de tantos subgrupos de fé e ciência acabam convergindo, de alguma maneira. é tudo cósmico. astronomia pura.

    acho que seria bem interessante assistirmos as 7 profecias maias e pensar acerca da visão apocalíptica que se tem da mudança de era, de uma transformação questionavelmente nociva, que pode ser considerada também como transcendência.

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