terça-feira, 10 de novembro de 2009

Se eu fosse o Homem

Eu tocaria uma mesma textura sonora infinitamente, a fim de fazer um caminho inverso ao do fenômeno da coroa do sol e provocar um som que pudesse tornar as minhas células convectivas e autoprodutoras de calor. Eu meditaria nesse som contínuo até o fim dos tempos.





"Rémanence é a continuação de um som que não é mais ouvido. Depois da extinção da emissão e da propagação, o som dá a impressão de ainda estar 'no ouvido'. Sharawadji é a sensação de plenitude que às vezes é criada pela contemplação de um motivo sonoro ou uma textura complexa cuja beleza é inexplicável, fascinante, tira o fôlego. Ubiquité é ligada às condições espaço-temporais que expressam a dificuldade ou a impossibilidade de localizar a origem de um som. O som parece vir de todos os lugares e de nenhum lugar ao mesmo tempo, ou de uma fonte única e de várias fontes simultaneamente, podendo criar uma sensação de desorientação." (David Paquette)


"Num dia memorável do fim dos anos 80, na capital finlandesa Helsinki, havia um grupo de música e performance art chamado Ultra 3. Seus integrantes sujeitaram-se a um exaustivo teste de resistência sônica. Isolados numa sala pequena, eles aguentaram 10 horas, sem comida ou qualquer alimento, imersos imersos num rumor de estática de baixa frequência por volta de estilhaçantes 125 decibéis. Quase uma década depois, dois membros daquele grupo, Mika Vainio e Ilpo Väisänen [aka Pan Sonic], na sua residência em South London, ficaram criando música em público seis horas por dia, todo dia, por três semanas. O Pan Sonic vem de uma pequena coleção de almas na Finlândia (um lugar onde, segundo eles, 'dificilmente alguma coisa acontece alguma vez') que se dedicam a cultivar um clima bizarro de experimento artístico e inovação tecnológica. 'A experiência Ultra 3 funcionou muito bem', diz Ilpo. 'Havia um grande sentimento depois daquilo, porque nós treinamos nossas mentes para estar no espaço por dez horas.'" (Rob Young)


"Sempre acreditei que a drone music precisa de tempo - de muito tempo - para poder desenvolver as suas propriedades imersivas/meditativas no ouvinte. Não é por acaso que La Monte Young criou em meados da década de 1960 The Theatre of Eternal Music, um ambicioso projecto com performances de extrema duração: a mais longa, 'Dream house', aconteceu na Harrison Street Gallery, em Nova Iorque, e durou 6 anos ininterruptos, de 1979 a 1985! Agrada-me esta ideia de música infinita, ou seja, uma música omnipresente sem princípio nem fim, que simplesmente existe num continuum sonoro que pode ser retomado e assim escutado em qualquer momento. No domínio da drone music é preciso abrandar o ritmo de percepção sensorial e entrar numa velocidade diferente, mais lenta, para penetrar com profundidade na câmara escura dos sonhos. Salvas as devidas distâncias, foi com esta ideia em mente que decidi explorar a capacidade máxima do CD. (Jorge Mantas/The Beautiful Schizophonic para Miguel Arsénio)


"Fechar os olhos e ouvir o que vinha do palco permitia escutar para lá do que realmente estava a acontecer. A primeira camada era só uma fachada, a porta de entrada para quem simplesmente quer ouvir barulho. É nas restantes coberturas sonoras que se encontra o significado de tudo isto. Era como ouvir a formação de um novo mundo e as nascentes de novos rios e mares, oceanos a serem gerados, o sexo entre sóis e luas, suado, trepidante, incandescente e, acima de tudo, maravilhoso. Por baixo de tudo isso, os pássaros que nascem e cantam, as vozes que se ouvem nas bocas fechadas de todos os presentes, mas principalmente, de quem não se encontra na sala. Por baixo de tudo isso, é o verdadeiro Acontecimento. O palco não importa nada. O que importa são as vibrações que nos puxam e que nos levam a uma entidade comum. O tremer da pele e da carne diz-nos que não estamos ali. Nós não somos os corpos que estão de pé numa sala muito pequena, completamente negra, repleta de amplificadores num certo armazém da capital inglesa. Nós já não estamos ali. É uma viagem ao interior uns dos outros, quando deixamos de viver e passamos a formar um só ser. (...) As duas guitarras acabaram a noite suspensas, sozinhas, sem que o som vindo delas terminasse. Alguém dizia no início: 'isto é o século XXI'. Sim, é isto o século XXI. Há quem diga que é a banda sonora para o Apocalipse. Muito pelo contrário." (Tiago Dias)


Dream House abre para a temporada 2009-2010 – nosso 17º ano
La Monte Young Marian Zazeela


Dream House
Sound and Light Environment
a time installation
measured by a setting of continuous frequencies in sound and light

Extended Exhibition at MELA Foundation
275 Church Street, 3rd Floor
between Franklin and White Streets in Tribeca
Thursday, September 24, 2009 continuing through Saturday, June 19, 2010
Thursdays, Fridays and Saturdays from 2:00 PM to Midnight

In the concurrent sound environment, La Monte Young presents The Base 9:7:4 Symmetry in Prime Time When Centered above and below The Lowest Term Primes in The Range 288 to 224 with The Addition of 279 and 261 in Which The Half of The Symmetric Division Mapped above and Including 288 Consists of The Powers of 2 Multiplied by The Primes within The Ranges of 144 to 128, 72 to 64 and 36 to 32 Which Are Symmetrical to Those Primes in Lowest Terms in The Half of The Symmetric Division Mapped below and Including 224 within The Ranges 126 to 112, 63 to 56 and 31.5 to 28 with The Addition of 119, a periodic composite sound waveform environment created from sine wave components generated digitally in real time on a custom-designed Rayna interval synthesizer. Both artists are presenting works utilizing concepts of structural symmetry. Under a long-term commission from the Dia Art Foundation (1979-85), Zazeela and Young collaborated in a six-year continuous Dream House presentation set in a six-story building on Harrison Street in New York City, featuring multiple interrelated sound and light environments, exhibitions, performances, research and listening facilities, and archives.


"Por volta de 1962, La Monte Young formulou o conceito da Dream House como uma peça que pode ser tocada continuamente, experienciada como um organismo vivo. Ela segue o princípio de que a atmosfera musical é uma função de tempo. Pode ser essencial experienciar frequêncies durante longos períodos de tempo, a fim de ajudar o sistema nervoso e vibrar com as frequências do ambiente." (Mediaartnet)


"Dentro da Casa dos Sonhos, um estreito corredor conecta duas salas. Um profundo rumor flutua pelo corredor, como fluxos pulsantes num túnel de vento. à esquerda fica a sala principal, severamente vazia. Tudo na Casa é branco – paredes brancas, carpete branco, almofadas brancas – tudo tingido pelas luzes rosa e violeta de Zazeela. Na outra sala há três janelas, todas cobertas por telas magenta translúcidas que filtram a luz do sol lá de fora, reforçando o matiz avermelhado. Em cada canto há uma alta e branca caixa de som que parece uma geladeira gigante, tão intimidante naquele espaço nu quanto o monolito de Stanley Kubrick. Esses monolitos estão vibrando com as 32 frequências da composição de Young, e, embora a música mantenha-se constante, não importa quanto tempo você fique na casa, a relação entre o som e seus ouvintes pode mudar drasticamente com os movimentos mais insignificantes. A única ocasião em que a música se mantém estável é quando o ouvinte fica completamente imóvel: os drones graves culminam em uma densa nuvem de britadeiras assim que eles se cruzam, formando ritmos complexos. Entretanto, pequenas variações na postura alteram completamente o campo sonoro. Sons agudos diferentes aparecem quando você mexe a cabeça; balançando-se lentamente para frente e para trás, você pode criar um hipnótica melodia de duas notas enquanto os tons agudos se alteram e giram de forma a causar tontura. Mais para o centro da sala principal, os drones são mais fracos e mais graves, enquanto no perímetro da sala o som tende a ser mais aéreo, dominado por um choramingo murmurado. Esse efeito desorientador é um componente-chave da Casa do Sonho. Young explica por e-mail que 'cada frequência tem seus próprios pontos de ressonância e não-ressonância na sala (pontos de expressão poderosa e suave). As frequências mais baixas tem tamanhos longos de onda e você precisa andar um pouco para experienciar as diferenças na altura daquela frequência. As mais altas tem curtos tamanhos de onda que por milimétrico movimento de cabeça, a a diferença das alturas pode ser observada.'" (Ed Howard)


"Cada onda sinuosa vibra em partes diferentes da sala. Eu gosto de sentar no chão na posição de lótus, girando minha cabeça para frente e para trás, para um lado e para o outro, criando minhas próprias melodias e texturas sonoras. O visitante com um ouvido apurado pode na verdade "tocar" a sala como um instrumento: explorar o sol perto da parede, perto do chão, nos cantos ou ficando parado." (David Farneth)


3 comentários:

  1. hum, eu toparia de viver por um tempo num lugar com essa luz, mas não com o som.
    ainda tenho que treinar mais o meu lado zen, sem rosas de dúvidas!

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  2. Quando eu tomei ácido, na penúltima Bienal, eu deixei o sintetizador chiando indefinidamente, e foi interessante. Como disse um texto que eu postei aqui, já que o silêncio não existe, a textura sonora é um som constante que existe e faz as vezes do silêncio.

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  3. Entrou no site da MELA Foundation? Ele também é todo rosa e violeta. Basta um tempinho olhando pra ele - e dentro da Casa - pra que, quando tu olha pras coisas "normais", tu as vê todas esverdeadas. Se alguém morasse na Dream House, talvez, com o tempo, passaria a ver o mundo verde.

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