[post atualizável no decorrer da tradução]
SCHECHNER, William. Performance studies.
2 O que é performance?
O que é “performar”?
Em negócios, esportes e sexo, “performar” é fazer algo além do padrão – para obter êxito, para se destacar. Nas artes, “performar” é expressar-se em um show, uma peça, uma dança, um concerto. No dia-a-dia, “performar” é exibir-se, chegar a extremos, sublinhar uma ação para aqueles que estão olhando. No Século 21, como nunca antes, as pessoas vivem sob o signo da performance.
“Performar” também pode ser entendido relacionando-se a:
a. Ser
b. Fazer
c. Mostrar fazer
d. Explicar mostrar fazer
“Ser” é a existência em si mesma. “Fazer” é a atividade de tudo o que existe, dos quarks aos seres sencientes às supercordas galáticas. “Mostrar fazer” é performar: apontando, sublinhando e expondo o fazer. “Explicar ‘mostrar fazer’” é o trabalho dos Performance Studies.
É muito importante distingui-los uns dos outros. “Ser” pode ser ativo ou estático, linear ou circular, expansivo ou contrativo, material ou espiritual. Ser é uma categoria filosófica apontando para o que quer que seja que as pessoas teorizem como sendo a “existência última”. “Fazer” e “mostrar fazer” são ações. Fazer e mostrar estão sempre em fluxo, sempre mudando – o mundo do filósofo grego pré-socrático Heráclito, que disse, “Ninguém pode pisar duas vezes no mesmo rio, nem tocar uma substância mortal duas vezes na mesma condição”. O quarto termo, “explicar mostrar fazer”, é um esforço reflexivo para compreender o mundo da performance e o mundo como performance. Essa compreensão é geralmente o trabalho de críticos e estudantes. Mas, às vezes, no teatro brechtiano, em que o ator sai do papel para comentar o que o personagem está fazendo, e na performance criticamente desenvolvida, como “Couple in the cage” (1992), de Guillermo Gómez-Peña (1955- ) e Coco Fusco (1960- ), uma performance é reflexiva.
Performances
Performances marcam identidades, dobram o tempo, remodelam e adornam o corpo e contam histórias. Performances – de arte, rituais ou vida corriqueira – são feitas de “twice-behaved behaviors”, “comportamentos reconstruídos”, ações performáticas que as pessoas treinam para fazer, que elas praticam e ensaiam. O treino e o esforço consciente em direção à arte é claro. Mas a vida também envolve anos de treinamento, de aprender partículas de comportamento apropriado, de descobrir como ajustar e performar a vida do indivíduo com as circunstâncias pessoais e sociais. A longa infância da espécie humana é um longo período de treinamento e ensaio para uma performance exitosa na vida adulta. A “graduação” em adultez é marcada em muitas culturas e religiões por ritos de iniciação. Mas, mesmo antes da adultez, algumas pessoas adaptam-se mais confortavelmente à vida que lhes foi atribuída do que outras, que resistem ou se rebelam. A maioria das pessoas vive numa tensão entre a resignação e a rebeldia. Ações sociais – políticas, protestos, revoluções e coisas do tipo – são esforços coletivos de larga escala ou para manter o status quo, ou para mudar o mundo. Todo o período do desenvolvimento humano individual pode ser estudado “como” performance. Isso inclui eventos de larga escala como ações sociais, revoluções e política. Cada ação, não importa quão pequena ou abrangente, consiste de twice-behaved behaviors.
E o que dizer sobre as ações que são aparentemente “once-behaved” – o happening de Allan Kaprow (1927- ), por exemplo, ou uma ocorrência de dia-a-dia (cozinhar, vestir-se, fazer uma caminhada, falar com um amigo)? Até mesmo essas são construídas a partir de behaviors previamente behaved. Na verdade, a diariedade do dia-a-dia é, precisamente, sua familiaridade, seu “ser” construído de partículas de comportamento rearranjadas e modeladas com o propósito de servir a circunstâncias específicas. Arte “lifelike” - como Kaprow chama muitos de seus trabalhos – é próxima da vida diária. A arte de Kaprow sublinha ou destaca levemente o comportamento ordinário – prestando muita atenção em como uma comida é preparada, olhando as pegadas de alguém depois de caminhar no deserto. Prestando atenção em ações simples performadas no momento presente é desenvolver uma consciência zen com relação ao cotidiano, uma homenagem ao ordinário. Homenagear o ordinário é se dar conta de quão ritualística é a vida diária, o quanto a vida diária é formada de repetições. Não há “once-behaved behavior”.
Há um paradoxo aqui. Pode estar certas ambas as teorias, a de Heráclito e a do comportamento restaurado? Performances são feitas de partículas de comportamento restaurado, mas cada performance é diferente da outra. Primeiro, determinadas partículas de comportamento podem ser recombinadas em variações infinitas. Segundo, nenhum evento pode exatamente copiar outro evento. Não só o comportamento em si – nuances de humor, tom de voz, linguagem corporal, e assim por diante, mas também a ocasião específica e o contexto fazem com que cada instante seja único. E o que dizer de replicantes ou clones reproduzidos mecânica, digital ou biologicamente? Pode ser que um filme ou uma uma peça de performance art digital sejam os mesmos a cada exibição. Mas o contexto de cada recepção faz com que cada instante seja diferente. Em outras palavras, a unicidade de um evento não está em sua materialidade, mas em sua interatividade. Então, se essa unicidade acontece em filmes ou eventos digitais, imagine em performances ao vivo, nas quais produção e recepção variam de instante para instante. Ou em nosso dia-a-dia, cujo contexto é impossível de controlar. (...)
Restauração de comportamento
Todos nós performamos mais do que imaginamos. Como se nota, a vida diária, a vida cerimonial e a vida artística são feitas de rotinas, hábitos e rituais; e de recombinações de “already behaved behaviors”. A maior parte do que é “novo”, “original”, “chocante” ou “avant-garde” é uma recombinação de comportamentos conhecidos ou é o deslocamento de um comportamento do lugar onde ele é aceitável ou esperado para um evento ou uma ocasião em que ele não é esperado. Por exemplo, a nudez causou alvoroço nas artes performáticas quando foi usada pela primeira vez, amplamente, nos anos 60. Mas por que aquele choque, por que a nudez era o novo?
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