segunda-feira, 19 de outubro de 2009
Shatner was Kirk
Traduzi alguns trechos:
Meu método é similar ao dos aborígenes que creditam os sonhos a uma realidade tão poderosa e importante quanto a dos eventos que experienciamos acordados. Eu sei que as análises podem ser feitas separando-se os planos de realidade; mas às vezes - especialmente no teatro - é necessário viver como se o "se" fosse o mesmo que "é". (...) Performances são faz-de-conta, de brincadeira, por diversão. Ou, como Victor Turner disse, no modo subjuntivo, o famoso "se". Ou, como em sânscrito, performances são lîla - esportes, brincadeiras - e maya, ilusórias. Mas, como a tradição do sânscrito enfatiza, a vida toda é lîla e maya. Performance é uma ilusão de uma ilusão e, assim sendo, pode ser considerada mais "verdadeira", mais "real" do que a experiência ordinária.
Brincadeira, jogo, esporte, teatro e ritual: várias qualidades básicas são compartilhadas por essas atividades: 1) uma ordenação especial de tempo; 2) um valor especial emprestado aos objetos; 3) improdutividade em termos de bens; 4) regras. Frequentemente lugares especiais - lugares não-ordinários - são escolhidos ou construídos para essas performances.
O tempo do relógio é unidirecional, uma mensuração uniforme linear e cíclica adaptada do dia-noite e dos ritmos das estações. Nas atividades performáticas, entretanto, o tempo é adaptado ao evento, e é portanto suscetível a numerosas variações e distorções criativas. As principais variações do tempo de performance são:
1. Tempo do evento, quando a atividade tem uma sequência estipulada e todos os passos dessa sequência devem ser completados, não importando quanto tempo de relógio se passe. Exemplos: beisebol, corrida de automobilismo; rituais em que um "estado" é buscado, como danças da chuva, curas xamânicas, reencontros; performances teatrais com roteiro.
2. Tempo estipulado, quando um padrão de tempo arbitrário é imposto aos eventos - eles começam e terminam em momentos determinados, não importando se eles são ou não "completados". Aqui há uma batalha angustiante entre a atividade e o relógio. Exemplos: futebol, basquete, jogos estruturados em "quanto" você consegue fazer em "x" tempo.
3. Tempo simbólico, quando o intervalo de tempo da atividade representa outro (mais longo ou mais curto) intervalo de tempo do relógio, como as noções cristâs de "fim dos tempos", o "tempo de sonho" aborígene ou a meta zen do "estar presente no agora". Exemplos: teatro, rituais que reatualizam eventos ou eliminam o tempo, como brincadeiras de faz-de-conta e jogos.
Regras especiais existem, são formuladas e persistem porque essas atividades são algo à parte do dia-a-dia. Um mundo especial é criado onde as pessoas podem fazer as regras, rearrajar o tempo, estipular valor às coisas e trabalhar por prazer. Esse "mundo especial" não é fortuito, mas uma parte vital da vida humana. Nenhuma sociedade e nenhum indivíduo podem aguentar sem ele. E é especial somente quando comparado às atividades "ordinárias" do trabalho produtivo.
Brincadeira é "atividade livre", onde cada um faz suas próprias regras. Em termos freudianos, a brincadeira expressa o princípio do prazer, o mundo da fantasia privada. Ritual é estritamente programado, expressando a submissão do indivíduo às forças "superiores" ou pelo menos "diferentes". O ritual resume o princípio da realidade, a concordância em obedecer regras que são dadas. Jogos, esportes e teatro (dança, música) fazem uma média entre esses extremos. É nessas atividades que as pessoas expressam seu comportamento social.
Uma ação tem cinco características básicas: 1) processo, alguma coisa acontece aqui e agora; 2) atos, trocas ou situações com consequências, irremediáveis e irrevogáveis; 3) competição, algo está "em jogo" para os performers e frequentemente para os espectadores; 4) iniciação, uma mudança de status para os participantes; 5) o espaço é usado concretamente e organicamente.
(...) O problema continua: como animais (e pessoas) mostram a diferença entre brincadeira e "pra valer"? Comportamento ritualizado, incluindo performances, são formas de continuamente testar as fronteiras entre brincadeira e "pra valer".
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