TARKOVSKI, Andrei. Esculpir o tempo.
. . . a grande função da arte é a comunicação, uma vez que o entendimento mútuo é uma força a unir as pessoas, e o espírito de comunhão é um dos mais importantes aspectos da criação artística. Ao contrário da produção científica, as obras de arte não perseguem nenhuma finalidade prática. A arte é uma metalinguagem com a ajuda da qual os homens tentam comunicar-se entre si, partilhar informações sobre si próprios e assimilar a experiëncia dos outros. Mais uma vez, isso nada tem a ver com vantagens práticas, mas com a concretização da idéia do amor, cujo significado encontra-se no sacrifício: a perfeita antítese do pragmatismo. Simplesmente não posso acreditar que um artista seja capaz de trabalhar apenas para dar expressão a suas próprias idéias ou sentimentos, os quais não têm sentido a menos que encontrem uma resposta. Em nome da criação de um elo espiritual com outros, a auto-expressão só pode ser um processo torturante, que não resulta em nenhuma vantagem prática: trata-se, em última instância, de um ato de sacrifício. Mas valerá a pena o esforço, apenas para se ouvir o próprio eco?
O artista nos revela seu universo e força-nos a acreditar nele ou a rejeitá-lo como irrelevante e incapaz de nos convencer. Ao criar uma imagem ele subordina seu próprio pensamento, que se torna insignificante diante daquela imagem do mundo emocionalmente percebida, que lhe surgiu como uma revelação. (revelacão, vejam só!)Pois, afinal, o pensamento é efêmero, ao passo que a imagem é absoluta. Pode-se então afirmar que, no caso do homem espiritualmente receptivo, existe uma analogia entre o impacto produzido pela obra de arte e o impacto de uma experiência puramente religiosa. (twice-behaved behaviours) A arte atua sobretudo na alma, moldando sua estrutura espiritual.
O poeta tem a imaginação e a psicologia de uma criança, pois as suas impressões do mundo são imediatas, por mais profundas que sejam as suas idéias sobre o mundo. É claro que, ao falarmos de uma criança, também podemos dizer que ela é um filósofo; isso, porém, só pode ser afirmado num sentido bastante relativo. E a arte se esvai diante de conceitos filosóficos. O poeta não usa "descrições" do mundo; ele próprio participa da sua criação. (camelo, leão e criança)
Uma pessoa só será sensível e receptiva à arte quando tiver a vontade e a capacidade de confiar e de acreditar num artista. No entanto, como é difícil, às vezes, superar o limiar de incompreensão que nos separa da imagem emocional e poética. Exatamente da mesma forma, no caso da verdadeira fé em Deus, ou até mesmo para sentir a necessidade de ter essa fé, uma pessoa precisa ter certa predisposição da alma, uma potencialidade espiritual específica.
O belo oculta-se aos olhos daqueles que não buscam a verdade, para os quais ela é contra-indicada. Porém, a profunda falta de espiritualidade das pessoas que vêem a arte e a condenam, e o fato de as mesmas não estarem dispostas nem prontas a refletir, num sentido mais elevado, sobre o significao e o objetivo da sua existência, vêm muitas vezes mascarados pela exclamação vulgarmente simplista: "Não gosto disso!", "É tedioso!". Não é um argumento que se possa discutir, mas parece a reação de um cego a quem se descreve um arco-íris. O homem contemporâneo simplesmente permanece surdo ao sofrimento do artista que tenta compartilhar com os outros a verdade por ele alcançada.
Ao se emocionar com uma obra-prima, uma pessoa começa a ouvir em si própria aquele mesmo chamado da verdade que levou o artista a criá-la. Quando se estabelece uma ligação entre a obra e o seu espectador, este vivencia uma comoção espiritual sublime e purificadora. Dentro dessa aura que liga as obras-primas e o público, os melhores aspectos das nossas almas dão-se a conhecer, e ansiamos por sua liberação. Nesses momentos, reconhecemos e descobrimos a nós mesmos, chegando às profundidades insondáveis do nosso próprio potencial e às últimas instâncias de nossas emoções.
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interferi no post do douglas:
em vermelho trechos que achei peculiarmente interessantes
em itálico observações que não vivem da glória do passado
João =D
que bonito texto. cheio de zonas de vizinhança. aliás os posts estão cada vez melhores e mais pontuais. apesar de eu não compactuar com a idéia de uma obra-prima, nem do artista como um acionador da "verdade". Por outro ldo penso que isso é apenas o território léxico do autor. Agora, ele fala em amor. Isso é muito importante, biologicamente importante (vou postar algo sobre o amor de MAturana)socialmente importante, humanamente importante. E fala de criança. Me lembrou os etágios descritos pelo Sr. Bigode o verdadeiro criador do UBBERMAN. Camelo (caramelo) Leão (ciranda) Criança (peão)
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