segunda-feira, 31 de maio de 2010
Pós
"O adjetivo 'pós-dramático' designa um teatro que se vê impelido a operar para além do drama, em um tempo 'após' a configuração do paradigma do drama no teatro. Ele não quer dizer negação abstrata, mero desvio do olhar em relação à tradição do drama. 'Após' o drama significa que este continua a existir como estrutura - mesmo que enfraquecida, falida - do teatro 'normal': como expectativa de grande parte do seu público, como fundamento de muitos de seus modos de representar, como norma quase automática de sua drama-turgia. [Heiner] Müller qualificou seu texto pós-dramático Descrição de imagem (Bildbeschreibung) como uma 'paisagem para além da morte' e como 'explosão de uma lembrança numa estrutura dramática moribunda'. Pode-se então descrever assim o teatro pós-dramático: os membros ou ramos do organismo dramático, embora como um material morto, ainda estão presentes e constituem o espaço de uma lembrança 'em irrupção'. Também o prefixo 'pós' no termo 'pós-moderno', no qual é mais do que uma mera senha, indica que uma cultura ou prática artística saiu do horizonte do moderno, antes obviamente válido, mas ainda tem algum tipo de relação com ele de negação, contestação, libertação ou talvez apenas de divergência, com o reconhecimento lúdico de que algo é possível para além desse horizonte. Assim, pode-se justamente falar de um teatro pós-brechtiano que, em vez de não ter nada em comum com Brecht, tem consciência de que é marcado pelas reinvindicações e questões sedimentadas na obra de Brecht mas não pode mais aceitar as respostas dadas por Brecht. Portanto, 'teatro pós-dramático' supõe a presença, a readmissão e a continuidade das velhas estéticas, incluindo aquelas que já tinham dispensado a ideia dramática no plano do texto ou do teatro. A arte simplesmente não pode se desenvolver sem estabelecer relações com formas anteriores. O que está em questão é apenas o nível, a consciência, o caráter explícito e o tipo específico dessa relação. Da mesma maneira, é preciso distinguir entre a retomada do anterior no novo e a (falsa) aparência de validade contínua ou necessidade das 'normas' tradicionais." (LEHMANN, Hans-Thies. Teatro pós-dramático.)
A MAri Messias me mandou, achei relevante!
People
Keep on learnin'
Soldiers
Keep on warrin'
World
Keep on turnin'
Cause it won't be too long
Powers
Keep on lyin'
While your people
Keep on dyin'
World
Keep on turnin'
Cause it won't be too long
I'm so darn glad He let me try it again
'Cause my last time on earth I lived a whole world of sin
I'm so glad that I know more than I knew then
Gonna keep on tryin' till I reach the highest ground.
Teachers
Keep on teachin'
Preachers
Keep on preachin'
World
Keep on turnin'
'Cause it won't be too long
Oh no
Lovers
Keep on lovin'
While believers
Keep on believin'
Sleepers
Just stop sleepin'
'Cause it won't be too long
Oh no
I'm so darn glad He let me try it again
'Cause my last time on earth I lived a whole world of sin
I'm so glad that I know more than I knew then
Gonna keep on tryin' till I reach the highest ground
And Stevie knows that, uh, nobody's gonna bring me down
Till I reach the highest ground.
'Cause me 'n' Stevie, see, we're gonna be a sailin' on the funkysound
Till I reach the highest ground.
Bustin' out, and I'll break you out, 'cause I'm sailin' on
Till I reach the highest ground
Just, uh, sailin' on, sailin' on the higher ground
Till I reach the highest ground
Tu quoque, Brute, fili mi?
ZH - Um trabalho como Bodas de Sangue, que é um dos grandes textos do teatro moderno, reforça a crença de vocês na dramaturgia, especialmente em um tempo em que o texto está sendo colocado de lado por diversas iniciativas teatrais?
Vasconcellos - Eu acredito na dramaturgia. Não nesta ou naquela dramaturgia, mas numa dramaturgia que corresponda aos anseios do tempo em que está sendo representada. Por isso dirigi Beckett, Shakespeare, Eurípides, Ivo Bender, Tchekhov, Nelson Rodrigues e tantos outros autores tão diferentes entre si e tão necessários no momento em que foram encenados. Hoje, alguns pretendem substituir a representação do drama pelo exercício performático, a ficção pelo virtuosismo, a ação cênica pela presença física do ator. O que não deixa de ser um equívoco monumental. Alguém vai a um concerto para ver se o pianista é gordo, estrábico ou prognata? Não. Vai para ouvir música, que é uma organização arbitrária e rigorosa de sons. Portanto, continuo preferindo a música e o drama, independentemente de gêneros e estilos.
quinta-feira, 27 de maio de 2010
quarta-feira, 26 de maio de 2010
segunda-feira, 24 de maio de 2010
COmentário da MAriana Bandarra (Cherry)! =D
Então, no fim do mês passado eu fui assistir o último trabalho do João de Ricardo (JdR), Homem que não vive da glória do passado (HQNVDGDP), no Teatro de Câmara. Fazendo já de início o disclaimer, João me é muito querido, e há muitos anos. Mas isso pouco tem a ver com o fato de que está é, para mim, a peça mais importante dos últimos (quantos? muitos!) anos a apresentar-se na amada Portinho. Ora, por quê? Interessante você perguntar…
O espetáculo é um redemoinho de estímulos, tudo ecoa em tudo, e esses ricochetes simbólicos acabam espirrando na cara do público. Em um presente pós-apocalíptico no qual todas as mulheres do planeta misteriosamente morrem, o protagonista é o homem, é o herói. Dentro de uma vida mediada por objetos eletrônicos e experiências sintéticas, o homem empertiga-se e compartilha sua história de sucessos. Dentro de uma vida cada vez menor, ele se retrai e desconstrói a partir dos cacos de si mesmo um novo outro, um outro ficcional, com quem é possível trocar algo de real. O orgânico da performance é contraposto com o rigor pós-industrial dos aparatos, a tenra carne do homem é mastigada pelos dentes plastificados da tecnologia. E é desse liquidificador de estímulos que o homem emerge, vitorioso e autônomo, despindo-se de organicidade e vestindo-se de dureza e dissabor. Mas vencedor, e é tudo o que importa. Junto com o homem, emerge também a plateia/participante, que pisa na rua sentindo ainda o escorrer da performance garganta abaixo.
Em termos menos alusivos e abstratos, HQVDGDP tem um clima de reality show (porque a quarta parede é sistematicamente erodida e o homem é um homem e ei-lo na nossa frente a ser humano) com pitadas de pastor televisivo e noticiário. Junte-se a isso uma obsessão autoimagética através da qual o mesmo homem é multiplicado, pasteurizado, reproduzido, mutilado, recriado: um mesmo homem que se reproduz para ter compania, um homem que transpõe a barreira do gênero e encontra no próprio desdobramento de si uma fenda redentora: a vagina absoluta. Esse homem aparece em telas, sua voz ecoa em gritos, ele se transforma e torna-se muitos e a visão desses múltiplos apenas torna mais evidente a solidão. Essa multiplicação opera, cenicamente, através de uma miríade de dispositivos de captura e reprodução: gravadores, microfones, auto-falantes, câmeras, telinhas, telonas… A ilusão é elevada ao status de realidade através do bombardeio de réplicas. E essa glamurização da ilusão está não só na cena mas também no discurso, que chega a lembrar o Tom Cruise ensandecido de Magnólia (para além da cena e do discurso, ela está inextricavelmente arraigada em nossas vidas, no bombardeio diário de mentiras e meias-verdades). Em termos visuais, o espetáculo tem muito de David Lynch em seus momentos mais Estrada Perdida, mas acima de tudo tem a assinatura plastificada e encharcada dos líquidos vis que está sempre presente na obra de JdR.
Mas tudo bem, até aí tudo ótimo. Só que aparentemente a peça foi atacada por todos os lados pela crítica teatral local, de jornais a blogs, e eu não pude deixar de me perguntar o porquê disso. Ora, como boa portoalegrina, não demorei a concluir que a má-recepção da obra era obra do seguro, aquele que morreu de velho. Se alguém assiste a HQNVDGDP e não enxerga as formas como o espetáculo é importante, então essa pessoa é muito provavelmente um velho. Não em idade, mas em velhice: em decrepitude. Parece que os críticos portoalegrenses vivem demais, têm saudade demais de como as coisas eram. É em homenagem a eles que nomeio este post, em homenagem aos que não enxergam a fagulha do novo porque estão já enterrados em vida por suas expectativas acerca do que a arte pode ou não fazer.
É claro que estamos eternamente condenados ao postulado da subjetividade absoluta e impenetrável, e a experiência artística, neste caso especificamente a esperiência dramática, é a via através da qual torna-se possível uma manutenção do vocabulário emocional de um tempo. E HQNVDGDP é um espetáculo fincado a um ponto no tempo. Embora pareça incomodar a crítica que esse ponto seja o presente, HQNVDGP não arreda pé. Um homem do seu tempo, quando olha para si mesmo olha para todos os homens. O que a crítica portoalegrense precisava era atirar-se ao abismo das coisas que não estão nos manuais prescritivos; que, antes, fermentam simultaneamente nos cérebros e mídias dos verdadeiros artistas, e pulsam nas fibras de todos que verdadeiramente experimentam, em primeira mão, o sentimento de seu tempo. Mas na hora de dar o salto fruitivo na garganta do abismo, a crítica portoalegrense recusa-se a largar a corda. Aparentemente, está condenada a um ideal de exclusividade e finesse inescapavelmente ilusório e provinciano, atida a uma impenetrável rigidez formal, que a escusa da experiência real. Digo isso porque entre os elementos mais essenciais da obra de JdR estão a impalpabilidade dos limites, a petulância provocativa das artes performáticas e um inescapável senso de grandiloquência que é ao mesmo tempo aberta e altamente específica em relação a lugares, tempos e conflitos políticos.
JdR coloca Porto Alegre no mapa do teatro inteligente e vivo, que estava em Sófocles e estava em Artaud mas que sobretudo está no homem e no tempo. O teatro de JdR é um teatro de urgência, convoluto e abismal. Um teatro absolutamente sintonizado com a velocidade dos fluxos de informação, com o trinado frenético dos aparelhos eletrônicos e com o amor amorfo de uma geração que não desaprendeu a sentir.
Direção e Dramaturgia: João de Ricardo e Bruno Gularte Barreto
Performer: João de Ricardo
Iluminação: Carina Sehn
Sonoplastia: Douglas Dickel
Vídeos: Bruno Gularte Barreto e João de Ricardo
Câmera, Assistência geral e de multimídia: Pedro Karam
Assistência e finalização de multimídia: Caroline Barrueco
Produção e Assistência de Direção: Sissi Venturin